Em uma das ruas do Centro, de repente você pode se deparar com tudo o que faltava em sua cozinha. Por trás de uma montanha de couve e repolho, estará um ralador de verduras exclusivo. Mas atenção: não converse muito para não atrapalhar a demonstração do produto.  

  A rua é generosa. Oferece a matéria-prima. Aros de guarda-chuvas, borrachas, madeiras, tudo é aproveitado. Oferece clientes e amigos. E até amantes da arte. Porque é isso que Anderson faz: arte com fotografia. Não clicando, mas construindo pequenas cameras. Adora quando acha na internet um novo modelo – se sente desafiado. No currículo, já tem doze modelos. Inclusive a camera que mandaram para a lua. De vez em quando diversifica o catálogo: pranchetas de arquitetura, telescópio e cadeiras de rodas. Pode chegar e olhar. Nem precisa comprar. Mas nao perca a oportunidade de bater um papo com o artista que aprendeu com o pai o ofício. Agora ele ensina para a filha, que é o único orgulho maior que as câmeras.

A falta de mar não é desculpa para morrer de calor. Refresque-se nas fontes da Praça da Estação. Se bater a vergonha de ir sozinho, fique atento à programação da Praia da Estação e aí não vai faltar companhia.

Se eu tiver duas camisas/E alguém chegar com frio/ Uma eu darei/ Mas no amor sou egoísta/ Eu não quero sentir um sócio/ jamais, querida, consentirei. Esse e outros versos você escuta com a dupla Roberto Reis e Elias. Há 20 anos emocionando marmanjos no quarteirão fechado da Praça Sete.

  Depois desse tour gastronômico, você não vai resistir a aprender uma receita local para repetir em casa. Procure pelo Magrão na escadaria em frente ao Viaduto Santa Tereza e peça a ele uma demonstração ao vivo da sua receita exclusiva de Costela no Latão. Esteja preparado para lamber a mão do chef e acostume-se com a fumaça nos olhos. Receita: Costela no Latão Dica do Chef Magrão (saiba mais sobre ele) Ingredientes e utensílios: 1,5kg de batata mangueada* no ponto de ônibus 1kg de macarrão comprado com moedas do banco 1 tomate gentilmente cedido pelo sacolão Uma mãozada de sal doada pelo dono do bar da esquina Um copo de sal com alho arrumado por aí 2kg de costelão carnuda com R$ 0,80 centavos de desconto Óleo herdado do latão de pressão da pastelaria mais próxima Lenha do Parque Municipal Água de qualquer lugar Graveto de pau pra mexer os ingredientes Faz assim: 1. Encontre os ingredientes acima mangueando 2. Acenda o fogo e reacenda se precisar apagar por reclamações alheias 3. Coloque o latão de pressão no fogo pra esquentar o óleo herdado 4. Lave as mãos com agua encontrada em algum lugar 5. Tempere com o sal e alho 6. […]

Achar pouso, pousar Mas sempre com um olho aberto Verde, muito verde e de cílios enormes Todo dia ele acorda e nem sempre faz tudo igual Mangueia daqui, mangueia dali Dez reais Doze amigos Oitenta e três centavos Ja tem carne e macarrão, mas o Neguinho gosta demais de batata Ah, então é manguear Só que hoje tem convidado Entao é costelão carnuda Sal, tempero, agua e lenha. Quem é o da lenha? Então vai lá pegar Fogo. Está dando muita fumaça, apaga Acende de novo, usa o plástico A fumaça tá queimando meu olho Acostuma. Aqui vai ter que acostumar. A lata ja com óleo herdado Ferve Tira gosto carimbado Prova aqui, lambe Costela regada a Alegria da Roça E uma lágrima lembrando da mãe que ensinou a cozinhar Pode fotografar

Irônica, articulada, irreverente, culta, refinada, divertida. Lucia M. M., moradora do segundo metro quadrado mais caro de BH. O endereço é fixo, há cinco anos ela habita o lugar, que divide com sete cães que valem mais do que ela. Pirata, Piratinha, Suzy, Chacal, Agregado, Mel e Grace, todos vacinados “graças a Deus”. Ela nos conta como que é morar nesse quarteirão luxuoso. ND: Você gosta de morar aqui? O ruim é só o preconceito. ND: Conta pra gente o que é a rua. Lucia: É um lugar sem lei, quer dizer, é sem lei, mas tem lei. ND: Qual é a lei da rua? Lucia: A primeira, é a lei do silêncio. Segundo, predominam os homens, mulher não tem vez. E você pode ser duas coisas: ou você é do crime, ou você é correria…” ND: Você é do que? Lucia: Eu sou correria, não roubo, não pactuo com a facção do crime, do tráfico ND: O que é correria? Lucia: A pessoa que chega, pede dinheiro, a pessoa que faz um bicozinho ali pra lavar um carro, entendeu? ND: E Lúcia se despede com uma música: Lucia: Se o teu olhar quando encontra os meus, fala de um […]

Eu não sou assim Não nasci pra entrar no supermercado e encher o carrinho de arroz, feijão e macarrão pra tratar daquela turma Não tenho filho com mulher pobre Não preciso de casamento, não sinto solidão Não gosto de ficar no meio de homem Não sou morador de rua Eu sou assim Sou vagabundo, no bom sentido Sou um caso de boa família Sou pão duro, é da minha natureza Sou tipo Paulo Ricardo do RPM, envaidecido tipo Roberto Carlos, o cantor Sai da barriga pra ser assim vou ser assim até o fim

    Os ambulantes do Centro advertem: fumar alimenta seus bolsos. Não garantimos a procedência nem a simpatia do vendedor, mas a oferta está em cada esquina pela bagatela de R$ 2 o maço. Se quiser beliscar ou tomar um cafezinho enquanto fuma, recomendamos procurar o Stevie no encontro da rua da Bahia com Afonso Pena. Chegue cedo, às 7 horas a banca de café vira banca de sombrinha.

O Rap é a rua cantada (Rap de Life Style e Psycho) A rua é miséria, ódio e rancor na rua você vê as “dor” virando arte desafiando as normas da sociedade A arte virando alegria essa é a única vantagem da vida Às vezes não tenho nada para comer vou logo para um bar para eu poder beber Peço o meu trocado no sinal às vezes a tia não me dá e aí eu passo mal Vejo nas ruas crianças sem nada pra comer o hippie nas calçada com os artesanatos pra vender o morador de rua pedindo esmola pra tentar se manter. As vezes me pergunto quando essa desigualdade vai acabar enquanto não acaba entrego minha voz pra minha rapaziada. De onde vim, periferia com estrutura deformada, recrutando crianças pra andar de fuzil e quadrada O rap é o som que liberta as almas as das crianças mudando essa história virando a pagina, reescrevendo um futuro com esperança aqui nas ruas de BH eu prego a paz através da escola do rap o caminho certo pra se correr atrás

Sou Fofão ou vovozona Quer eu te conte tudo? Senta aí Não, aqui não, vamos ali, lá na minha casa Casa feita por artista, aqui é Beverly Hills Renda atual, doações Renda predominante, zona Tem que beber e fumar pra aguentar dar e chupar cada coisa que aparece Oh, mais um olhando vocês Tão achando que são outra coisa Aqui é muita inveja, muita armação Medo da morte? Não adianta, não dá pra fugir Nem raspando a cabeça e colocando um macacão jeans Adorei, que lindo esse anjo Vai ficar no cabelo no fim das contas Nossa, minha garganta tá doendo Eu só confio em mim Se bem que nem em mim Vai saber minha reação com alguma coisa Eu tenho aquela síndrome, como que chama? Bipolar, isso Aquele ali é doido de verdade Eu não, eu também, todo mundo é, você não?  

Cadê a comida que estava aqui? Cinco da manhã e já estava de pé. A ida ao Centro prometia uma sequência irresistível de típicas comidas de rua. Por prevenção, limitei meu desjejum a um copo de suco detox (última tendência no mundo das dietas). Era preciso manter a fome para degustar as iguarias enriquecidas com o inconfundível tempero da cidade. No trajeto, o pensamento fixo no aroma de churrasquinho que me aguardava nas esquinas. A fumaça, a gordura, a brasa. O cheiro característico de qualquer centro que se preze. Muitos quarteirões depois, porém, e do churrasquinho eu não vi nem o gato nem o espeto. Atravessei a avenida Afonso Pena e me deparei com a banca de bolos do Steve Barbosa. Aliás, de bolo, cachaça, cigarro, guarda-chuvas, pilhas e bolsas – diversificar o negócio é o segredo do sucesso. Achei suficiente para começar. O simpático vendedor com cabelos acaju está lá há 30 anos e saúda a todos pelo vocativo de “amiguinho”. Fiquei à vontade e perguntei: cadê os churrasquinhos? A resposta não foi animadora. Com a proliferação de fiscais da prefeitura e a diminuição do número de ônibus em circulação por ali (maldito MOVE), as coisas não vão bem. […]

Entre para o clube dos jogadores de dama não anônimos do Centro de BH. Dispute com os melhores da cidade e grave seu nome no hall da fama da Rua Rio de Janeiro, no quarteirão fechado da Praça Sete. Preço: R$1/hora. Procurar Waldir. Saiba mais.

  Paula e Leandro dormem de conchinha na calçada. Ele, cavalheiro, a ajuda a carregar o carrinho de compras. Que não está cheio de compras e sim dos seus pertences pessoais – é o seu guarda-roupa. Os dois pombinhos namoram no Parque Municipal. Grama macia, lugar tranquilo. Só está complicado fazer planos. Paula quer receber o aluguel de uma casa e voltar para Barão de Cocais. Mas está difícil: o inquilino não paga há 7 meses. Leandro nunca ouviu falar em Cocais, mas sabe que para Goiás, sua terra natal, não volta mais. E já que ele não tem aluguel a receber, o jeito é trabalhar. Montador de palcos – fim de ano é época de muito trabalho. Em comum, os poucos dias morando na rua. E uma certa tristeza de ser invisível. O povo passa e não os vê. Quando os olham, escondem a bolsa. Mas eles não querem te roubar, querem só um bom dia. E se você estiver disposto a conversar, melhor ainda. Romance é o tipo de história que mais gostam de contar.

Waldir é uma figura fácil de se reconhecer. Vaidoso, barba sempre feita, camisa entreaberta, santa pendurada no pescoço, perfume exagerado.  E  sapatos vermelhos, que são para impressionar as mulheres… e os travestis. Diz que a dama traz amizade entre os homens. É casado, mas não dispensa um rabo de saia. Tudo começou com um senhor que levava uma mesa para jogar dama por ali todos os dias. O problema é que ele ia embora quando queria e deixava todo mundo na vontade. Waldir então não teve dúvidas: deveria investir nisso. Agora é ele que vai diariamente ao centro da cidade, busca as mesas e peças da brincadeira em um estacionamento próximo e começa a jogatina. Ele é mais do que o chefe do jogo de dama do centro de Belo Horizonte. É o melhor jogador da praça, ninguém nega. 66 anos e 45 na função. O empreendimento de sucesso já esteve em vários pontos e a prefeitura já tentou proibí-lo diversas vezes. Nunca conseguiu, Waldir conhece muita gente na área. Gente grande, influente. Pode chegar sem medo. Por um real, consegue-se uma hora entre as damas. Em tempo: é proibido beber, fumar e brigar. O único com algum vício por […]

  Se você curte doses extras de adrenalina, está no lugar certo. A escalada do viaduto Santa Tereza é a opção recomendada para quem sempre sonhou em ser o Homem-Aranha. Se você ainda é iniciante no esportes radicais, sugerimos o parkour de bêbado (roots, de raiz ou sem frescuras). Comece pela bananeira na escadaria da Rua da Bahia.

  A grana acabou durante a viagem? Aproveite para se unir aos nativos e conhecer a essência da cidade a baixíssimo custo. E se ainda assim faltar dinheiro, manguear é a solução. 6:49/07:29 O sol nasce pra todos, mas esquenta mais rápido pra alguns. 07:30/08:09 1, 2 e escovar dentes no banheiro do Parque Municipal. 08:10/08:10(+1) Desinfecção interna com cachaça Alegria da Roça. Investimento: R$2. 08:10/12:01 Hora de manguear, cada um no seu mangueadouro. 12:01/16:03 Café da manhã, almoço, refeição diurna (cardápio de acordo com o mangueamento do dia.) Investimento médio: R$ 0,83. 16:04/16:59 Siesta no parque, porque ali é seguro. 17:00/18:30 Lavanderia no parque (reservar horário previamente com o zelador). 18:31/19:00 Opções de banho: Na rodoviária. Quente, gostoso e bem limpinho. Investimento: R$ 7. Na praça Raul Soares. Frio e rápido. Investimento: R$ 0. Banho de gato por aí. Mais frio e mais rápido. Investimento: R$ 0. 19:01/19:19 Troca de roupa. Procurar um armário no bueiro mais próximo. 19:01/23:00 Escolha da localização ideal para sono. 23:01/06:06:48 Noite. Recomenda-se repousar com cautela, nunca se sabe o que (ou quem) se esconde no escuro. 6:49 O sol nasce pra todos, mas esquenta mais rápido pra alguns Investimento total: de R$ 2,83 a R$ 9,83 por dia […]

Folha leve em piso duro tanto empurra até que fura. Sob o sol, sob a chuva, sobre o asfalto, sobre(vivem) as não sempre-vivas. A maioria delas pioneiras, que, como os exploradores de sertões, abrem e descobrem caminhos desconhecidos. Elas vão rompendo ambientes inóspitos e pouco favoráveis, improváveis. Vida incerta, imprevisível assim como o resto da população dessas ruas, calçadas e paredes. Elas não andam, mas andam nelas. Respiram e devolvem ar. Fotossíntese. Onde encontrar: rachaduras, fendas e buracos do concreto.

Doce, fubá, farinha, biju, doce de leite, canudinho, tempero, verdura, bolo e pão. Parece feira, mas é a barraca do projeto Direto da Roça, que fica na Rua Alagoas, esquina com Afonso Pena. Aproveita para dizer à Neide Amorim que o Bolo de Caçarola está de parabéns.